quinta-feira, 20 de junho de 2013

Dá muito trabalho?

Será esta uma das perguntas que eu e outras mães de gémeos ouvimos mais vezes. É assim: ter um bebé dá trabalho. Não se pode esperar ingenuamente que um bebé não dê trabalho. Quando parimos um ser que dependerá de nós inteiramente, quando aceitamos uma ligação visceral desta importância, temos que saber que dá trabalho. Porque dá.
Dois bebés também dão trabalho. São duas vidas a dependerem de ti, dois corpos pequenos e frágeis que necessitam dos teus cuidados. Chorarão os dois, terão os dois que tomar banho, terão os dois que mamar, acordarão os dois à noite ora com uma dessincronização milimetricamente estudada ora com uma coordenação assustadoramente perfeita . Exigirão a dedicação que um bebé, qualquer bebé, exigirá. Só que são dois.
E o maior problema, não é eles serem dois, é tu continuares a ser só um. E o dia continuar a ter só 24h. Deviam ser concedidas aos pais2 mais duas horas por dia por cada gémeo nascido. Mas ainda ninguém se lembrou disso.
Os primeiros meses são duros, fisicamente exigentes como o apuramento para os jogos Olímpicos. Não que tenha alguma fez participado no apuramento para os Jogos olímpicos, mas tenho a certeza que a preparação, esforço físico e força mental exigidos são os mesmos. E os teus filhos vão sempre precisar de ti, haverá sempre uma tarefa, um pedido, um carinho, um beijo, uma brincadeira em falta. Deixarás de fazer coisas que sempre fizeste e só muitos meses depois te irás aperceber disso.

Dá trabalho. E isso não é dramático, faz parte do que é ter um filho e seres mãe, pai. Um, dois, três não é uma questão de número, é uma questão de compromisso. 

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Ser

A gente existe. A gente somos nós despojados de artifícios e artimanhas.
A gente somos nós despidos dos outros. A gente devia ser sempre a gente, abandonar capas e poses. A gente devia dizer a gente mais vezes, mas não dizemos porque “nós” soa melhor e a mais chique. A gente devia dizer obrigado e bom dia a toda a gente. A gente devia mandar à merda, também, de vez em quando só.
A gente é singular, nós somos plural.

A gente devia ser mais vezes a gente. Quero que os meus filhos sejam a gente. 

domingo, 9 de junho de 2013

Parir, finalmente

Uma hora mais ou menos depois comecei a sentir algumas dores nas costas e nessa altura fui para a sala de indução. Esperava o pior. As dores cresciam em intensidade e frequência, mas eu achava que o que sentia ainda não era nada, tendo em conta todos os relatos que ouvi e todas as mães que tinha ouvido durante o internamento e que ecoavam no meu pensamento.
E assim durante 5 horas fui respirando, respirando. E respirei. Doía, doía sim, mas pensava: “ Isto vai piorar”. E então não me queixava, fator muito importante em hospitais! E ali fiquei respirando. Nas aulas de pré-parto aprendi três tipos de respiração, deveria passar de um para outro tipo de respiração consoante o trabalho de parto fosse avançando. Quando vos digo que esperava muito pior, digo-vos que em 5 horas não passei da primeira respiração porque estava certa de que aquilo estava só no início. Doía, não sei descrever a dor, mas doía. Aliei-me ao auto controlo e à certeza que de seriam umas horas de dor por duas vidas inteiras.
Até que uma enfermeira atenta me ouviu a respirar e feito o toque percebemos que estava pronta para ir para a sala de partos.
Estive sempre calma, ouvi música e imaginava como seriam os meus filhos. Era esta a vontade que se tinha apoderado de mim nas últimas semanas, a vontade de conhecer os traços do rosto de cada um dos meus filhos. Reconheceria os meus traços no rosto deles? Esta era a minha ansiedade.
Caminhei para a sala de partos. Entrei na sala de partos, branca e incólume. Havia um relógio e uma parafernália de instrumentos médicos, ignorei os instrumentos, mas não o relógio.
Levei epidural e contrariamente aos três mil e duzentos relatos que tinha ouvido sobre a dor provocada pela agulha quilométrica da epidural, não me doeu. E a partir daí as dores ganharam outra expressão. Na primeira dose tornaram-se inexistentes, tanto as dores como todo o meu corpo. Nas doses seguintes conseguia ter consciência das dores e do meu corpo.
E esperei mais 5 h para que o corpo fizesse o seu trabalho. Numa das visitas da médica, observa-me e diz: “É Agora”. Agora. Ok, é agora. Agora. E escassos minutos separavam-me do momento a partir do qual iria ser Mãe.
Fazia algumas forças que me pareciam inúteis perante a enormidade do que estava prestes a acontecer. Era como tentar imaginar uma cor que não existe (em pequena tentava fazê-lo muitas vezes) por mais que tentasse imaginar e preparar para aquele momento parecia que ele nunca aconteceria. A capacidade do meu corpo não era suficiente, foi necessária alguma ajuda. E de repente, tinha acontecido, o médico puxa o meu filho de dentro de mim e deposita-o no meu colo. Ali estava o meu filho, esguio, de carne e osso. O meu amor tinha-se materializado. Facilmente lhe li os traços do pai na cara e ali naquele instante em que o olhei laços invisíveis se cruzaram num tempo eterno, mais ninguém viu mas naquele momento iniciou-se uma simbiose. Minutos depois o corpo reinicia o seu trabalho (são dois lembram-se?) num esforço que me pareceu imenso, numa tarefa facilitada pelo irmão pioneiro, saí ainda envolta em parte da bolsa a minha filha. Olhei-a e num momento mecanismos de amor acionaram turbinas e entre mãe e filha começam a surgir elos de aço e amor. Mais ninguém viu.
Ali estava eu fora do meu corpo, duas vezes. E de repente a minha filha está a ser entubada e o pequeno tórax a ser massajado por dois dedos de cada mão. Naquele instante percebo o que dizem sobre os pais terem o coração fora do corpo. Tudo correu bem.

Olho para o relógio, os ponteiros tinham mudado a sua posição várias vezes desde que ali tinha entrado. Marcava outra hora e nós tínhamo-nos multiplicado. Quatro, a partir daquilo dia fomos quatro.