Uma hora mais ou menos depois comecei a sentir algumas dores
nas costas e nessa altura fui para a sala de indução. Esperava o pior. As dores
cresciam em intensidade e frequência, mas eu achava que o que sentia ainda não
era nada, tendo em conta todos os relatos que ouvi e todas as mães que tinha
ouvido durante o internamento e que ecoavam no meu pensamento.
E assim durante 5 horas fui respirando, respirando. E
respirei. Doía, doía sim, mas pensava: “ Isto vai piorar”. E então não me
queixava, fator muito importante em hospitais! E ali fiquei respirando. Nas
aulas de pré-parto aprendi três tipos de respiração, deveria passar de um para
outro tipo de respiração consoante o trabalho de parto fosse avançando. Quando
vos digo que esperava muito pior, digo-vos que em 5 horas não passei da
primeira respiração porque estava certa de que aquilo estava só no início.
Doía, não sei descrever a dor, mas doía. Aliei-me ao auto controlo e à certeza
que de seriam umas horas de dor por duas vidas inteiras.
Até que uma enfermeira atenta me ouviu a respirar e feito o
toque percebemos que estava pronta para ir para a sala de partos.
Estive sempre calma, ouvi música e imaginava como seriam os
meus filhos. Era esta a vontade que se tinha apoderado de mim nas últimas
semanas, a vontade de conhecer os traços do rosto de cada um dos meus filhos.
Reconheceria os meus traços no rosto deles? Esta era a minha ansiedade.
Caminhei para a sala de partos. Entrei na sala de partos,
branca e incólume. Havia um relógio e uma parafernália de instrumentos médicos,
ignorei os instrumentos, mas não o relógio.
Levei epidural e contrariamente aos três mil e duzentos
relatos que tinha ouvido sobre a dor provocada pela agulha quilométrica da
epidural, não me doeu. E a partir daí as dores ganharam outra expressão. Na
primeira dose tornaram-se inexistentes, tanto as dores como todo o meu corpo.
Nas doses seguintes conseguia ter consciência das dores e do meu corpo.
E esperei mais 5 h para que o corpo fizesse o seu trabalho.
Numa das visitas da médica, observa-me e diz: “É Agora”. Agora. Ok, é agora.
Agora. E escassos minutos separavam-me do momento a partir do qual iria ser
Mãe.
Fazia algumas forças que me pareciam inúteis perante a
enormidade do que estava prestes a acontecer. Era como tentar imaginar uma cor
que não existe (em pequena tentava fazê-lo muitas vezes) por mais que tentasse
imaginar e preparar para aquele momento parecia que ele nunca aconteceria. A
capacidade do meu corpo não era suficiente, foi necessária alguma ajuda. E de
repente, tinha acontecido, o médico puxa o meu filho de dentro de mim e
deposita-o no meu colo. Ali estava o meu filho, esguio, de carne e osso. O meu
amor tinha-se materializado. Facilmente lhe li os traços do pai na cara e ali
naquele instante em que o olhei laços invisíveis se cruzaram num tempo eterno,
mais ninguém viu mas naquele momento iniciou-se uma simbiose. Minutos depois o
corpo reinicia o seu trabalho (são dois lembram-se?) num esforço que me pareceu
imenso, numa tarefa facilitada pelo irmão pioneiro, saí ainda envolta em parte
da bolsa a minha filha. Olhei-a e num momento mecanismos de amor acionaram
turbinas e entre mãe e filha começam a surgir elos de aço e amor. Mais ninguém
viu.
Ali estava eu fora do meu corpo, duas vezes. E de repente a
minha filha está a ser entubada e o pequeno tórax a ser massajado por dois dedos
de cada mão. Naquele instante percebo o que dizem sobre os pais terem o coração
fora do corpo. Tudo correu bem.
Olho para o relógio, os ponteiros tinham mudado a sua
posição várias vezes desde que ali tinha entrado. Marcava outra hora e nós tínhamo-nos
multiplicado. Quatro, a partir daquilo dia fomos quatro.
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